Quando já tinha chegado a um ponto em que se tornara indiferente avançar ou voltar para trás, aquela tranquila superfície que me seduzira alterou-se; sem ser ainda tempestade, o mar começou a ondular, e, gradualmente, as vagas aumentaram de frequência. Pus-me a pedir ao piloto que me desembarcasse em qualquer ponto da costa; respondeu-me que o litoral era escarpado, inabordável, e que, numa tempestade, ele nada temia mais do que a terra firme. Aliás eu estava a ficar aflito demais para me dar conta do perigo; atormentava-me uma náusea mole, sem solução, daquelas que excitam a bílis sem a expelir. Insisti com o piloto e forcei-o, com vontade ou sem ela, a aproximar-se da costa. Quando nos avizinhámos dela, sem esperar alguma daquelas manobras descritas por Virgílio [...], lembrando-me da minha habilidade como velho praticante de banhos frios, atiro-me ao mar, com equipamento de "nadador de águas frias", isto é, com uma camisola de lã. Não imaginas o que eu passei ao trepar pelos baixios, procurando, e por fim encontrando, um caminho. Fiquei a perceber que os marinheiros têm razão em recear a terra! Foi incrível o que eu aguentei, eu, que nem a mim mesmo já me aguentava. Fica sabendo que não foi tanto pelo ódio do deus do mar que Ulisses naufragou em todo o lado: o que ele tinha eram náuseas! Quanto a mim, onde quer que tenha de ir por mar, levarei como ele vinte anos a chegar!...
Séneca, Cartas a Lucílio VI.53.2-4
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)
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